segunda-feira, 28 de novembro de 2022

“Viagem ao Céu” – Monteiro Lobato

 “Viagem ao Céu” – Monteiro Lobato




 

Resenha Livro - “Viagem ao Céu” – Monteiro Lobato – Ed. Biblioteca Azul

 

José Bento Renato Monteiro Lobato desde criança desenvolveu a atividade literária. Nascido na cidade de Taubaté/SP em 18 de abril de 1882, ainda na escola se dedicava a escrever histórias e criar jornais.

 

É provável que seu trabalho mais conhecido do público tenha sido o da literatura infantil, a criação da Turma do Sítio do Pica Pau Amarelo, da boneca Emília, dos primos Narizinho e Pedrinho, do Visconde de Sabugosa, do porquinho Marquês de Rabicó, da Dona Benta e da Tia Nastácia.

 

Além da literatura infantil, Monteiro Lobato produziu artigos, críticas literárias, crônicas e um único romance, denominado o “Presidente Negro”, publicado em 1926.

 

Também teve participação pessoal em movimentos políticos nacionalistas, em especial na defesa na nacionalização do Petróleo – neste caso foi pioneiro, tendo sido preso em março de 1941 durante o Estado Novo por ter enviado carta a Getúlio Vargas e ao general Góis Monteiro, chamando atenção para  “displicência do sr. Presidente da República, em face da questão do petróleo no Brasil, permitindo que o Conselho Nacional do Petróleo retarde a criação da grande indústria petroleira em nosso país, para servir, única e exclusivamente, os interesses do truste Standard-Royal Dutch”.

  

A literatura lobatiana dedicada ao público infantil surge após o escritor de Taubaté já ter sido consagrado como crítico de arte, jornalista e autor de livros para o público adulto. Seu primeiro livro de contos, denominado Urupês (1918), foi ao mesmo tempo bem recebido pela crítica e por um público extenso: foi um sucesso de vendas. Certamente, este escritor foi dos poucos que souberam articular beleza estética na sua descrição do interior paulista e do caipira e uma simplicidade de linguagem que fizeram de seus livros também conhecidos do grande público.

 

“Viagem ao céu” foi publicado no ano de 1933, logo após o lançamento de “Reinações de Narizinho” (1932), havendo uma continuidade entre as histórias perceptível através do personagem Visconde de Sabugosa.


Efetivamente, o sábio morrera no livro anterior, dele restando um toco que Emília cuidadosamente guardou em sua canastrinha. Desta vez, Tia Nastácia inova, ao refazer o Visconde com sabugo de milho vermelho. Por causa da cor ruiva do novo personagem, as crianças passam a chamá-lo de Doutor Livingstone, que foi um explorador britânico que se embrenhou pelo interior da África no século XIX.

 

A Viagem ao Céu se passa no mês de abril, quando o clima agradável da fazenda faz com que as crianças instituam o mês das “férias do lagarto”:

 

“Já que o mês de abril é o mais agradável de todos, escolheram-no para o grande ‘repouso anual’ – o mês inteiro sem fazer nada, parados, cochichando como lagarto ao sol! Sem fazer nada é um modo de dizer, pois que eles ficavam fazendo uma coisa agradabilíssima: vivendo! Só isso. Gozando o prazer de viver”.

 

Este clima de “férias de lagarto” se torna o momento perfeito para contemplar as estrelas e os planetas do céu, vistos com nitidez nas noites de ócio na Fazenda do Pica Pau Amarelo.

 

Após ouvir as explicações de Dona Benta sobre o nome e a origem das constelações estelares e sistemas planetários, as crianças se mobilizam para elas próprias se dirigirem ao espaço e conhecer estrelas, planetas e cometas pessoalmente.

 

Para isso, servem-se do pó de pirlimpimpim.

 

Bastava uma simples aspirada naquela poeira mágica para num instante se deslocarem para os cantos mais remotos do universo.

 

Da aventura participa até Tia Nastácia, que fora ludibriada pelas crianças, ao aspirar o pó de pirlimpimpim pensando se tratar de rapé. Assustada após sua viagem à Lua, resmunga os seus credos e faz o “pelo sinal” a todo instante.   

 

Da viagem participa também o Burro Falante, personagem que destoa por completo daquilo que se costuma pensar sobre burros. Chama as pessoas pelo nome completo, usa palavras difíceis, fala com gravidade e de maneira sentenciosa, ou seja, com a mesma solenidade com que o juiz profere uma sentença. Por isso é apelidado de Conselheiro pelas crianças.

 

Integram, por fim, a aventura a boneca Emília, sempre disposta a gazetear, dando frequentes sinais de bravura, como no Planeta Marte, onde se dispõe a observar de perto os marcianos e os seus “crocotós”; Pedrinho, que lidera o  grupo por ter ouvido com atenção as lições de astronomia de sua avó; Narizinho e o Visconde, convertido a Doutor Livingston.

 

O primeiro destino do grupo é a Lua, ou aquilo que as crianças convencionam chamar de Lua, após uma votação dos viajantes para se decidir aonde o pó mágico primeiro os havia levado.

 

Lá se deparam com São Jorge e o seu Dragão. O santo, que viveu em Capadócia nos tempos de Diocesano, é convocado pelo Rei da Líbia a salvar sua filha das garras do animal feroz. Posteriormente, é convertido ao cristianismo e por isso é morto e transformado em santo. Desde a sua morte, vive na Lua acompanhado do Dragão já velhinho e inofensivo, mas nem por isso menos assustador aos olhos de Tia Nastácia.

 

Da Lua, as crianças viajam para Marte onde conhece os marcianos, pequenos seres que são incapazes de ver, mas captam a realidade através de uma anteninha.

 

Extraterrestres mais evoluídos, os viajantes conhecerão no Planeta Saturno:

 

“- Mas continue. Como são os habitantes de Saturno?

- Ninguém sabe ao certo, mas os homens da ciência imaginam. Acham que devem ser criaturas tão diferentes de nós que nem podemos compreendê-las. Uns seres gelatinosos, transparentes, adiantadíssimos, com órgãos diferentes. Devem alimentar-se de fluidos e não de coisas líquidas ou sólidas, como nós. E terão muitos mais órgãos dos sentidos do que nós. Nós não passamos de coitadinhos. Só temos cinco sentidos. Cinco, imagine que pobreza! Eles lá devem ter dez, vinte, cem... Para saber as coisas, nós precisamos estudar. Eles vibram no ar “órgão da ciência” e já ficam sabendo”

 

As reinações (palavra que significa bagunça) das crianças chamam atenção dos mais renomados astrônomos do mundo, que se surpreendem vendo de seus telescópios um burro viajar na calda de um cometa, um sabugo de milho vermelho girando como um satélite ao redor da Lua e manchas nos anéis de Saturno deixadas pelas crianças, após lá brincarem de escorregar.

 

Os sábios montam uma comitiva ao Sítio de Dona Benta para indicar que as perturbações do sistema planetário decorrem das estripulias de dois meninos, uma boneca, um burro e um sabugo de cartola, todos pairando no éter do espaço.

 

Após o retorno das crianças ao Sítio, o confronto entre o mundo da imaginação das crianças e o mundo da realidade dos adultos se vê instaurado: o chefe da comissão de cientista não acredita na história contada pelas crianças, gerando a revolta da boneca Emília, que diz:

 

- Estou vendo que os senhores marmanjos não acreditam em nossa história. Estamos pagos. Nós também não acreditamos nas suas “hipóteses” muito sem jeito...

 

Os astrônomos não esperavam por aquela resposta, de modo que abriram de novo as bocas. Uma boneca que falava quem nem gente e sabia o que era hipótese! Maior assombro era impossível. Mas em vez de apenas assombrar-se, só sem mais nada, o maioral caiu na asneira de sorrir de novo, com superioridade ariana e de dizer, como que ofendido:

 

- Bravos! Com que então não acredita em nossas hipóteses? Muito bem. E que vem a ser hipótese, senhora bonequinha impertinente?

Emília pôs as mãos na cintura.

 

- Hipótese são as petas que os senhores nos pregam quando não sabem a verdadeira explicação duma coisa e querem esconder a ignorância, está ouvindo, seu cara de coruja? Pouco se me dá que os senhores acreditem ou não que estivemos ou não estivemos na Via Láctea. Estivemos e acabou-se. E estivemos também em Marte e Saturno, e até brincamos de escorregar naqueles anéis. E na Lua conversamos com um santo muito bom, que ouvia tudo quanto dizíamos sem esses sorrisos que estamos vendo nessas reverendíssimas caras cheias de crocotós dos ruins...”

 

Esta clivagem entre o mundo da realidade e da fantasia é representativo de toda a literatura infantil de Monteiro Lobato. A forma lúdica com que as crianças encaram o mundo é frequentemente tratada pelos adultos como algo sem importância, especialmente para aqueles que já se esqueceram das suas próprias fantasias infantis. Em se tratando do fantástico, há o acréscimo de que, na opinião do escritor de Taubaté, este mundo da fantasia não deixa de ser realidade, já que efetivamente existe na imaginação de milhões e milhões de crianças.

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

O Picapau Amarelo – Monteiro Lobato

 O Picapau Amarelo – Monteiro Lobato




 

Resenha Livro - O Picapau Amarelo – Monteiro Lobato – Ed. Biblioteca Azul.

 

“O Sítio de Dona Beta foi se tornando famoso tanto no Mundo da Verdade como no chamado Mundo de Mentira. O Mundo de Mentira, ou Mundo da Fábula, é como a gente grande costuma chamar a terra e as coisas do País das Maravilhas, lá onde moram os anões e os gigantes, as fadas e os sacis, os piratas como o Capitão Gancho e os anjinhos como Flor das Alturas. Mas o Mundo da Fábula não é realmente nenhum mundo de mentira, pois o que existe na imaginação de milhões e milhões de crianças é tão real como as páginas deste livro. O que se dá é que as crianças logo se transformam em gente grande e fingem não mais acreditar no que acreditavam”.  

 

José Bento Renato Monteiro Lobato desde criança desenvolveu a atividade literária. Nascido na cidade de Taubaté/SP em 18 de abril de 1882, ainda na escola se dedicava a escrever histórias e criar jornais.

 

É provável que seu trabalho mais conhecido do público tenha sido o da literatura infantil, a criação da Turma do Sítio do Pica Pau Amarelo, da boneca Emília, dos primos Narizinho e Pedrinho, do Visconde de Sabugosa, do porquinho Marquês de Rabicó, da Dona Benta e da Tia Nastácia.

 

Além da literatura infantil, Monteiro Lobato produziu artigos, críticas literárias, crônicas e um único romance, denominado o “Presidente Negro”, publicado em 1926.

 

Também teve participação pessoal em movimentos políticos nacionalistas, em especial na defesa na nacionalização do Petróleo – neste caso foi pioneiro, tendo sido preso em março de 1941 durante o Estado Novo por ter enviado carta a Getúlio Vargas e ao general Góis Monteiro, chamando atenção para  “displicência do sr. Presidente da República, em face da questão do petróleo no Brasil, permitindo que o Conselho Nacional do Petróleo retarde a criação da grande indústria petroleira em nosso país, para servir, única e exclusivamente, os interesses do truste Standard-Royal Dutch”.

 

A literatura lobatiana dedicada ao público infantil surge após o escritor de Taubaté já ter sido consagrado como crítico de arte, jornalista e autor de livros para o público adulto. Seu primeiro livro de contos, denominado Urupês (1918), foi ao mesmo tempo bem recebido pela crítica e por um público extenso: foi um sucesso de vendas. Certamente, este escritor foi dos poucos que souberam articular beleza estética na sua descrição do interior paulista e do caipira e uma simplicidade de linguagem que fizeram de seus livros também conhecidos do grande público.

 

O Picapau Amarelo foi publicado no ano de 1939, tendo como subtítulo “O Sítio de Dona Benta, um mundo de verdade de mentira”.

 

Certo dia, Dona Benta recebe uma carta do Pequeno Polegar, que lhe diz da intenção dos habitantes do Mundo da Fábula de se mudarem para o Sítio do Picapau Amarelo.

 

Do Mundo das Maravilhas vêm os personagens que universalmente marcam o imaginário infantil: Peter Pan e o Capitão Gancho; Branca de Neve e os Sete Anões; a Gata Borralheira; Aladim e a famosa Alice do País das Maravilhas. Ao grupo se juntam outros personagens que expressam o aspecto didático e educativo dos livros infantis de Monteiro Lobato. Da mudança participam Dom Quixote, e seu escuteiro Sancho, e personagens da mitologia grega: a Medusa com os seus cabelos de cobra; os Centauros, meio homens e meios cavalos; as sereias; os sátiros pés de bode e as ninfas.

 

E como recepcionar todas estas pessoas no Sítio?

 

Dona Benta decide comprar as fazendas de seus vizinhos, não sem antes contar com a esperteza de Emília que, junto com o Visconde de Sabugosa, ludibriam os proprietários gananciosos (que queriam vender os terrenos a preços exorbitantes) dizendo que Dona Benta faria a maior criação de feras, com duzentos rinocerontes ferocíssimos, cento e cinquenta tigres de bengala, conquanto todos sabem que animais caseiros como burros, bois e cavalos, têm verdadeiro horror pelas grandes feras. O medo da desvalorização dos terrenos faz os vizinhos gananciosos deixarem de querer vender suas propriedades a preços injustos.

 

Para não transformar o Sítio do Pica Pau Amarelo num verdadeiro hospício, fica combinado que as terras das fábulas ficariam nestes terrenos recém adquiridos, com a divisão entre os lotes com cercas de seis fios de arame farpado e uma porteira com cadeado, cuja chave ficaria aos cuidados do sapiente Visconde de Sabugosa. E, de resto, Quindim, o rinoceronte, ficaria responsável por fazer a guarda do Sítio, indo e voltando em torno da linha divisória, fazendo guarda com o seu ameaçador chifre.

 

Esta oposição entre o mundo real e o mundo da fantasia, como é de se esperar, é logo rompida. A todo momento, ocorre, “causos” no mundo da Fantasia que exigem a atuação de Pedrinho, Emília e sua turma.

 

A começar por Dom Quixote, que de tanto procurar moinhos de vento, esquece de trazer uma casa e pede hospedagem no sítio. Sancho, seu escudeiro e conhecido pelo amor pela comida, vai se deliciando com os bolos e frangos de Tia Nastácia e acaba com os mantimentos da dispensa: gula igual ao do escudeiro, só a do porquinho Marquês de Rabicó.

 

“Nesse momento Tia Nastácia entrou com a bandeja de café com mistura – bolinhos, torradas, pipocas. Dom Quixote tomou três xicaras de café, comeu doze bolinhos, seis torradas e uma peneirada de pipocas. Estava verdadeiramente faminto, o coitado. Aquilo fez-lhe bem, porque logo em seguida cruzou as pernas, abriu os braços e, com as mãos seguradas nos punhos da rede, disse, correndo os olhos pela varanda:

- Não há dúvida, não há dúvida. A vidinha aqui é bem boa...”

 

O desfazimento da linha demarcatória entre o mundo da realidade e o mundo da fantasia, na história infantil, é representativo do mundo imaginativo e lúdico das crianças. E, além disso, possibilita encanto de  adultos que teimam em continuar acreditando no mundo imaginário ou ao menos se sensibilizam com suas lembranças de criança.

 

Logo no início do livro, Lobato chama atenção para o fato de que os crescidos também têm as suas “fantasias”. Enquanto dizem para as crianças que o mundo de fábulas não existe e que só acreditam no que é possível de se ver com os olhos, ao mesmo tempo acreditam em abstrações como “Justiça”, “Civilização” e “Bondade”. Por que não, então, também não acreditar em sereias, em cavalos voadores, em sacis pererês e personagens como Branca de Neve e os Sete Anões?

 

As fantasias do mundo real e do mundo fantástico, de início cindidas pela linha demarcatória, pelo cadeado com chaves sob os cuidados do Sábio Visconde e com o policiamento de Quindim, vão se fundindo numa unidade, em que as aventuras e histórias de crianças, princesas e entes mitológicos comovem crianças e adultos.

sábado, 12 de novembro de 2022

“Oscarina” – Marques Rebelo

 “Oscarina” – Marques Rebelo




 

Resenha Livro - “Oscarina” – Marques Rebelo – Ed. José Olympio

 

“Na ficção de Marques Rebelo cumpre-se uma promessa que o Modernismo de 22 apenas começara a realizar: a da prosa urbana moderna. Com a diferença notável de que o escritor carioca não rompeu os liames com a tradição do nosso melhor realismo citadino. A sua obra insere-se, pelos temas e por alguns traços de estilo, na linha de Manuel Antônio de Almeida (de quem escreveu uma viva biografia), de Machado de Assis e Lima Barreto. Com eles, o autor de Oscarina aprendeu a manejar os processos difíceis do distanciamento, o que lhe permitirá contar os seus casos da infância e do cotidiano com uma objetividade tal que a ironia e a pena difusas não o arrastariam ao transbordo romântico.” (BOSI, Alfredo.)

 

Marques Rebelo (1907/1973) é o pseudônimo do escritor carioca Eddy Dias da Cruz. Nasceu no bairro de Vila Isabel, no subúrbio do Rio de Janeiro, mudando-se ainda criança para Barbacena/MG, onde fez o curso primário.

 

Terminado o preparatório, matriculou-se na Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro, sem, contudo, concluir o curso, partindo para o trabalho no comércio.

 

Os seus romances e contos mais importantes foram escritos entre 1930/1940, tendo sido eleito, em 1964, para a Academia Brasileira de Letras.

 

“Oscarina” é o seu primeiro livro, publicado no ano de 1931 e saudado positivamente pela crítica.

 

Trata-se de um livro de contos, cuja maior ênfase é a da descrição do mundo suburbano do Rio do Janeiro do início do século XX: da realidade de donas de casa, trabalhadores de empregos modestos, pequenos funcionários públicos, professoras, estudantes, moças solteiras atrás de casamento, crianças brincando na rua. Ainda que seja visível a modernização da cidade com seus bondes, jornais e comércio, o Rio de Janeiro, e especialmente o subúrbio, ainda tinhas aspectos rurais, parecidos com as cidades do interior. A revolução industrial e o frenesi imobiliário atacaram diretamente a orla das praias e a região central, mas só lentamente foram alterando a fisionomia da zona dos morros. Consta que Rebelo fora um nostálgico deste Rio de Janeiro ainda não fulminado pela modernidade, da qual ele retrata conforme suas lembranças da infância.

 

Ainda que tenha tido contato com modernistas de São Paulo e Minas Gerais, Rebelo parecer seguir uma trilha à parte do movimento de 1922. Há, antes, uma linha de continuidade de nosso autor e escritores como Manuel Antônio de Almeida, Machado de Assis e Lima Barreto. Poder-se-ia, todavia, situá-lo como escritor mais próximo da chamada Geração de 1930 da 2ª Fase do Modernismo Brasileiro. De uma certa forma, as descrições que Graciliano Ramos fazia dos elementos médios citadinos de Alagoas ou que Jorge Amado fazia do povo baiano  é parecida com as histórias do subúrbio carioca de Marques Rebelo. Ambas superam uma descrição estereotipada dos tipos populares da cidade.

 

No caso específico de Rabelo, os personagens são tratados de forma intimista, ainda que com uma certa objetividade e equidistância, segundo as quais o nosso escritor poderia ser caracterizado como um neorealista.

 

A reprodução da linguagem popular e a clareza da exposição se combinam com sondagens psicológicas dos personagens, cujos retratos já remetem à superação da forma com que a literatura do século XIX tratava os tipos do povo. Dentro da nova perspectiva modernista, o povo é retratado captando-se suas complexidades e contradições, nem sempre estando adaptados ao meio social em que estão inseridos. Há, aqui, uma superação da forma como os escritores naturalista tratavam os elementos oriundos do povo, qual seja, de uma forma ainda superficial, previsível,   às vezes caricatural e eventualmente pouco distinguindo as pessoais (e suas individualidades) e o meio social. Em livros como “O Cortiço” de Aluísio de Azevedo, as personagens do subúrbio parecem formar uma unidade. Já no Rio de Janeiro de Rabelo, se verifica certamente uma harmonia entre as personagens e o meio carioca, com o acréscimo de retratar as cogitações íntimas de personagens, que aparecem mais humanos, ao se revelar  mais nitidamente suas contradições. E, por esta razão, é uma literatura mais realista.