domingo, 28 de agosto de 2022

“A ESCRAVA ISAURA” DE BERNARDO GUIMARÃES

 “A ESCRAVA ISAURA” DE BERNARDO GUIMARÃES



 


Resenha Livro – “A Escrava Isaura” – Bernardo Guimarães – Editora Autêntica

 

Bernardo Guimarães é um escritor representativo do romantismo literário brasileiro.

 

Nascido em 1825 em Ouro Preto, teve como obras mais conhecidas “A Escrava Isaura” publicada em (1875), “O Seminarista” de 1872 e “O Garimpeiro” lançado também em 1872.

 

Parte das obras do nosso escritor é precursora do regionalismo literário que melhor se desenvolveria nos quadros do modernismo literário da década de 1930.

 

Certamente o regionalismo bernadiano ainda está inserido dentro da idealização romântica, também assinalados em livros de José de Alencar e Visconde de Taunay.

 

Monteiro Lobato, ele próprio um escritor tipicamente regionalista, que descreveu de forma realista a situação do caboclo do interior paulista, tecia críticas duras à esta idealização na obra de Bernardo Guimarães:

 

“Lê-lo é ir para o mato, para a roça, mas uma roça adjetivada por menina do Sião, onde os prados são ‘amenos’, os vergéis ‘floridos’, os rios ‘caudalosos’, as matas ‘viridentes’, os píncaros ‘altíssonos’, os sabiás ‘sonorosos’, as rolinhas ‘meigas’. Bernardo descreve a natureza como um cego que ouvisse cantar e reproduzisse as paisagens com o qualificativo surrado do mau contador[1].”.

 

Ainda que esta dura crítica tenha o seu fundamento, além de aplicável ao “romance de gabinete” de José de Alencar, deve-se assinalar que em Bernardo Guimarães há ao menos um início de uma de crítica social que, por esta razão, também tem o seu lastro na realidade.

 

A divinização da natureza e de alguns personagens não deixa de fazer com que os seus livros sirvam como fonte preciosa para se conhecer a realidade do Brasil do II Império.

 

Em “O Seminarista”, talvez o mais bem elaborado romance do escritor, temos uma contundente crítica à formação religiosa e ao celibato. E no mais famoso livro de Guimarães, “A Escrava Isaura”, uma denúncia da escravidão e de instituições jurídicas.

 

A ESCRAVA ISAURA




 

A história se passa no início do Reinado de Dom Pedro II, no ano de 1840. No município de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, se situa a fazenda de um grande e devasso Comendador. Típico latifundiário que, além dos filhos do casamento legal, mantinha relações com escravas, particularmente uma linda mulata, que fora mãe de Isaura.

 

A protagonista do romance era filha desta escrava, protegida do Comendador, e de um feitor português chamado Miguel. A mulher do Fazendeiro, desgostosa com a vida depravada do marido, acolheu Isaura e tratou-a como uma segunda filha:

 

“Isaura era filha de uma linda mulata, que fora por muito tempo a mucama favorita e criada fiel da esposa do comendador. Este, que, como homem libidinoso e sem escrúpulos, olhava as escravas como um serralho à sua disposição, laçou olhos cobiçosos e ardentes de lascívia sobre a gentil mucama. Por muito tempo resistiu ela às suas brutais solicitações; mas por fim teve de ceder às ameaças e violências. Tão torpe e bárbaro procedimento não pôde por muito tempo ficar oculto aos olhos de sua virtuosa esposa, que com isso concedeu mortal desgosto.

 

(...)

 

Eis aí debaixo de que tristes auspícios nasceu a linda e infeliz Isaura. Todavia, como para indenizá-la de tamanha desventura, uma santa mulher, um anjo de bondade, curvou-se sobre o berço da pobre criança e veio ampará-la à sombra de suas asas caridosas.”.

 

Sob o cuidado e proteção da mulher do Comendador, Isaura teve aulas de francês, italiano,  dança, música e desenho. Sua educação não se diferenciava das mulheres da alta sociedade, não obstante sua beleza incomum irritar a vaidade e o amor próprio daquelas donzelas.

 

Com a morte do Comendador, o seu filho Leôncio, igualmente libertino, assume a direção da Fazenda e passa a assediar Isaura, que com a altivez de uma mártir, busca se esquivar do estupro, fazendo-a chegar até a drástica resolução de uma fuga.

 

Ainda que seja inequívoca a crítica à escravidão neste romance, a defesa da liberdade do cativo não deixa de ser cercada de ambiguidades. O que chama atenção é que Isaura, apesar de escrava, é branca, além de educada com requinte e com uma moral que a coloca acima das demais mulheres do topo da pirâmide social.

 

A oposição à escravidão, talvez, não se refira necessariamente a um direito inato do ser humano mas à injustiça de um caso específico: Isaura não merece ser escrava por sua beleza de anjo e suas qualidades morais:

 

“- Por piedade, Isaura, não me martirize mais com essa maldita palavra que constantemente tens nos lábios. Escrava, tu!... Não o és, nunca o foste e nunca serás. Pode acaso a tirania de um homem ou da sociedade inteira transformar um ente vil e votar à escravidão aquela que das mãos de Deus saiu um anjo digno de respeito e adoração de todos? Não, Isaura; eu saberei erguer-te ao nobre e honroso lugar que o céu te destinou, e conto com a proteção de um Deus justo, porque protejo um dos seus anjos.”.

 

A idealização do amor, da mulher e da natureza, o tom abolicionista (ainda que limitado) e o estilo folhetinesco dão o tom deste que foi o mais conhecido romance de Bernardo Guimarães.

Seria necessário um desenvolvimento posterior da literatura brasileira para que fosse dado ao aos tipos populares um verdadeiro protagonismo, cujo ponto culminante se dará com o advento do modernismo literário.  



[1] Cit. BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. Editora Cultrix.

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