sábado, 2 de julho de 2022

“As Aventuras de Tibicuera” – Érico Verissimo

 “As Aventuras de Tibicuera” – Érico Verissimo





Resenha Livro - “As Aventuras de Tibicuera” – Érico Verissimo – Companhia das Letras – 6ª Reimpressão.

 

“O nosso espanto foi enorme. Abria-se na nossa frente a grande baía. Dentro dela, balançando-se de leve, estavam pousadas umas doze ou treze embarcações como nunca tínhamos visto em toda a nossa vida. Nós cortávamos os rios e o mar nas nossas igaras, barcos compridos e rasos, feitos em geral de troncos de árvores. Mas agora era diferente.... Tratava-se de barcos altos, compridos, largos, todos cheios de mastros, cordas, panos, bandeiras... Eu estava de boca aberta. Olhava muito admirado para as bandeiras coloridas que ondulavam ao vento no cordame dos navios. E só cem anos depois é que eu iria aprender que aquela era a frota portuguesa que descobria o Brasil! Naquela hora não existia Brasil, mas sim a nossa terra, por nós chamada Pindorama – terra boa e grande, onde nossa tribo e muitas outras corriam livres, acampando aqui e ali, caçando, pescando, dançando, guerreando.”.

 

“As Aventuras de Tibicuera” (1937) é um dos muitos livros destinados ao público infantojuvenil escrito pelo romancista gaúcho Érico Verissimo.

 

O romance faz uma síntese da história do Brasil, desde os anos anteriores à chegada dos Portuguesas, partindo de uma tribo tupinambá, em que nasceu o protagonista Tibicuera, cujo nome significa “cemitério”:

 

“Nasci na taba duma tribo tupinambá. Sei que foi numa meia-noite clara, de lua cheia. Minha mãe viu que eu era magro e feio. Ficou triste mas não disse nada. Meu pai resmungou:

- Filho fraco. Não presta para a guerra.”.  

 

Da chegada dos Portugueses, passa-se aos primeiros momentos da colonização, a evangelização dos índios conduzida pelos jesuítas, que ensinam Tibicuera a ler e escrever, possibilitando escrever suas memórias.

 

Sua vida de 400 e tantos anos não decorre de uma fantasia, que em literatura se trata como “realismo fantástico”, mas da noção indígena de que existe um fio  condutor, uma sequencia e permanência entre a vida e existência de Tibicuera, seus filhos, netos, bisnetos, tataranetos, que, sucessivamente, participam dos grandes eventos do Brasil: a guerra de expulsão dos holandeses, a inconfidência mineira, as guerras de independência do Brasil, as revoltas regenciais, a campanha abolicionista, a proclamação da república.

 

Esta história panorâmica desmente um certo senso comum (sem nenhum fundamento na realidade) de que o povo brasileiro é pacato e pacífico e, por conseguinte, não engajado em lutas sociais com horizontes revolucionários.

 

Se a característica fundamental do índio Tupinambá é o seu traço guerreiro, sua disposição para a luta e para a guerra, temos que a história do protagonista é um constante engajamento em torno das mais diversas lutas de resistência do Brasil.

 

O próprio Tibicuera confessa a todo momento gostar de guerras, ainda que em certos momentos se aborrecesse dos conflitos e buscasse a paz dos livros e das bibliotecas.

 

O protagonista conheceu pessoalmente Tiradentes e Zumbi dos Palmares, com quem lutou e apenas não tombou heroicamente, para poder sobreviver e contar as suas memórias, que são a história do Brasil:

 

“O quilombo dos Palmares era formado por vários núcleos. Passei entre os pretos daqueles aldeamentos alguns anos bem felizes. Havia ali muita ordem e muita paz. Eu gostava de ver as danças, as cantigas, as festas dos quilombolas. Eles se enfarpelavam da maneira mais curiosa, pintavam-se de jeito muito engraçado, de sorte que era um espetáculo divertido vê-los em dia de festa.

 

Às vezes, certas noites, eu ficava de papo para o ar, olhando para as estrelas, pensando na vida e ouvindo a cantiga arrastada, preguiçosa e tristonha dos filhos da África. Quando eles paravam, ficava só o cochicho do vento que contava às palmeiras segredos de outros mundos.”.


Nos momentos de paz, leu os românticos e conheceu no Rio de Janeiro Machado de Assis, o maior escritor brasileiro de todos os tempos!




SOBRE O AUTOR

 

Érico Veríssimo nasceu em Cruz Alta no Rio Grande do Sul no ano de 1905.

 

Quando jovem, foi bancário e sócio de farmácia.

 

Sua estreia literária foi na Revista do Globo, com o conto “Ladrão de gado”. A partir de 1930, já radicado em Porto Alegre, tornou-se redator da revista, iniciando sua carreira de romancista, com trabalhos que se caracterizam por um realismo regionalista, tratando especialmente da história do Rio Grande do Sul, ainda que não se limitando a temas nacionais.

 

Neste sentido, escreveu livros como “O senhor embaixador” (1965) ambientado num hipotético país do Caribe que lembra Cuba. Ou, podemos citar ainda “O prisioneiro”, uma parábola sobre a intervenção dos Estados Unidos no Vietnã.

 

O escritor faleceu em Porto Alegre no ano de 1905.

Nenhum comentário:

Postar um comentário