terça-feira, 7 de junho de 2022

“Pais e Filhos” – Ivan Turguêniev

 “Pais e Filhos” – Ivan Turguêniev

 




Resenha Livro - “Pais e Filhos” – Ivan Turguêniev – Ed. Companhia das Letras – Tradução Rubens Figueiredo

 

“Por mais exaltado, pecador e rebelde o coração oculto no túmulo, as flores que crescem sobre ele olham para nós serenas, com seus olhos inocentes: não nos falam apenas de uma paz eterna, da grande paz da natureza “indiferente”; falam também da reconciliação eterna e da vida infinita...”. (Ivan Turgueniêv – “Pais e Filhos”).

 

Ivan Serguêievitch Turguêniev (1818-1883) nasceu na província de Oriol, na vasta propriedade rural de sua mãe, uma mulher autoritária e brutal, que exercia poder tirânico sobre os seus servos e filhos.

 

O primeiro livro do escritor, denominado “Memórias de um caçador” (1852) reúne contos de denúncia do regime de servidão, já consagrando de imediato o artista perante o público russo.

Neste mesmo ano de 1852, após a divulgação de um panfleto com críticas sociais, por ocasião do enterro do escritor Nikolai Gógol, Turgueniêv foi preso e depois confinado em sua propriedade rural por mais de um ano.

 

Não seria, contudo, correto, caracterizar a literatura do nosso escritor como um mero instrumento de crítica política. O que caracteriza sua literatura é um realismo decorrente de estudo cuidadoso da vida comum e popular da Rússia, relacionados com elementos líricos e poéticos. Seus livros envolvem a combinação justa entre a beleza e a realidade na medida em que no escritor existe uma fusão entre um bom poeta e um bom observador.

 

De acordo com o escritor Harry James, que conheceu pessoalmente Turguêniev, o eixo fundamento das suas histórias era não tanto os enredos, mas a mais profunda representação das personagens.  

 

“A primeira forma em que um relato surgia para ele era na figura de um indivíduo, ou numa combinação de indivíduos, que ele desejava ver em ação, convicto de que tais pessoas deveriam fazer algo muito especial e interessante. Elas se erguiam à sua frente bem definidas, nítidas, e ele queria conhecer, e mostrar, o mais possível de sua natureza.”.

 

Nosso escritor escreveu “Pais e Filhos” entre o fim de 1860 e o início de 1862, quando completou 42 anos de idade.

 

As datas são importantes, pois estão situadas entre o mais importante fato político da história da Rússia do séc. XIX: a abolição da servidão em 1861, regime social em que os camponeses eram propriedade dos senhores de terra.

 

Naquele contexto, ganhava força no cenário intelectual russo novas tendências críticas à autocracia, que engendrariam, entre outros, a criação do movimento político “Terra e Liberdade”, que propugnava o terrorismo e efetivamente viabilizaria o assassinato do Czar Alexandre II em 13 de Março de 1881.

 

O romance tem como fio condutor o choque de duas gerações, representadas de um lado: (i) pelos personagens Nikolai Petróvich e Pável  Petróvich que representam o pensamento tradicional, dos “pais”, identificados com o aristocratismo e o romantismo; e (ii) pelos personagens Bazárov e Arkádi, este último filho de Nikolai e sobrinho de Pável, que representam as tendências modernas, os “filhos”, a crítica ao pensamento convencional, o racionalismo radical e o cientificismo desprovido de princípios, que se poderia classificar como niilismo:

 

“- Ele é um niilista – repetiu Arkádi.

- Niilista – disse Nikolai Petróvich – vem do latim nihil, nada, até onde posso julgar; portanto essa palavra designa uma pessoa que....que não admite nada?

- Digamos: que não respeita nada – emendou Pável Petróvich e novamente esse pôs a passar manteiga no pão.

- Aquele que considera tudo de um ponto de vista crítico – observou Arkádi.

- E não é a mesma coisa? – indagou Pável Petróvich.

- Não, não é a mesma coisa. O niilista é uma pessoa que não se curva diante de nenhuma autoridade, que não admite nenhum princípio aceito sem provas, com base na fé, por mais que esse princípio esteja cercado de respeito.”.

 

Considerando o eixo fundamental do escritor de buscar retratar com a maior perfeição as complexidades de cada personagem, não seria de se espantar que não existem, ao final, vencedores e perdedores no embate entre pais e filhos, ou entre os niilistas e os aristocratas.

 

Ambos, com as suas contradições, acabam demonstrando parcial razão.  

 

O racionalista Bazárov apaixona-se por Anna Serguêievna, fazendo cair por terra todas as suas premissas acerca da inutilidade e futilidade do amor.

 

Já o fidalgo Pável Petróvich relativiza suas rígidas normas morais ao aceitar e mesmo incentivar que o seu irmão formalize um segundo casamento, após o falecimento da segunda esposa, tudo isso diante da conclusão, ainda que tardia, da futilidade das convenções, bem apontadas pelos jovens.

 

E para além dos problemas específicos daquele momento histórico russo, é certo que os dissensos entre os pais e filhos, os choques de geração, tem algo de universal, fazendo com que o romance nos comova ainda nos dias de hoje.

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