sábado, 3 de abril de 2021

A Desconsideração da Personalidade Jurídica

 

A Desconsideração da Personalidade Jurídica 




 

As pessoas jurídicas podem ser conceituadas como o conjunto de pessoas ou de bens arrecadados, que adquirem personalidade jurídica própria por uma ficção legal. A pessoa jurídica não se confunde com seus membros, sendo essa regra inerente à própria concepção da pessoa jurídica[1].

“A pessoa jurídica é uma realidade autônoma, capaz de direitos e obrigações, independentemente dos membros que a compõem, com os quais não tem nenhum vínculo, agindo por si só, comprando, vendendo, alugando, etc., sem qualquer ligação com a vontade individual das pessoas físicas que dela fazem parte. Realmente, seus componentes somente responderão por seus débitos dentro dos limites do capital social, ficando a salvo o patrimônio individual” (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – V. 1. São Paulo, Saraiva, 21 Ed., p. 272).

São diversos os critérios de classificação da pessoa jurídica. Quanto à estrutura interna, as pessoas jurídicas se diferenciam em corporações e fundações. As corporações são o conjunto de pessoas que atuam com fins e objetivos próprios. São as sociedades, as associações, os partidos políticos e as entidades religiosas. Já a fundação é o conjunto de bens arrecadados com finalidade e interesse social.

Outra divisão refere-se à função da pessoa jurídica. Existem as pessoas jurídicas de direito público, que, de acordo com o artigo 41 do CC/02 são a união, os estados, o distrito federal, os territórios, os municípios, as autarquias e as demais entidades de caráter público criadas pela lei. Há as pessoas jurídicas de direito privado, que são pessoas jurídicas instituídas pela vontade dos particulares, visando atender os seus interesses. São, de acordo com o artigo 44 do CC/02 as fundações, as associações, as sociedades (simples e empresárias), os partidos políticos, as entidades religiosas e empresas individuais de sociedade limitada. As pessoas jurídicas de direito público interno e externo são mais detidamente analisadas no direito constitucional, no direito administrativo e no direito internacional público. Já a reflexão sobre as pessoas jurídicas de direito privado são objeto de maior análise no direito civil, no direito empresarial e no direito do consumidor.

A desconsideração da personalidade jurídica é uma figura jurídica criada para coibir abusos de direito, confusão patrimonial e desvio de finalidade. Quando a personalidade jurídica for utilizada pelos sócios para fugir de suas finalidades ou para lesar terceiros, é possível desconsiderá-la imputando-se responsabilidade aos sócios e membros integrantes da pessoa jurídica que procuram burlar a lei ou lesar terceiros.

A desconsideração da personalidade jurídica, quando se tratar de lide civil e empresarial, apenas será deferida se comprovado o abuso da personalidade jurídica, na forma do artigo 50 do CC/02.

Nas lides consumeristas, os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídico não dirão respeito exclusivamente ao abuso de direito: de acordo com o 5§ do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor “também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”.

A Lei dos Crimes Ambientais (lei 9605/98) no seu artigo 4º também estabelece critérios menos rígidos para a desconsideração da personalidade jurídica:

Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

novo CPC suscitou no capítulo relativo à intervenção de terceiros o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (artigos 133 e seguintes). Assim, antes de redirecionar uma execução em face dos sócios, será necessária a instauração de um incidente processual, devendo os sócios serem citados para ajuizar contestação. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode ser requerido pela parte ou pelo MP quando lhe couber intervir no processo. Pode sem proposto em qualquer fase do processo, inclusive no cumprimento de sentença.

A desconsideração da personalidade jurídica pode ser um mecanismo de punição de maus empresários que abusam da proteção conferida para lei para agir com excesso de poder, abuso de direito, violação do contrato social ou mesmo com o encerramento irregular para prejudicar credores. Para tanto, é indispensável a instauração do incidente processual, oportunizando a ampla defesa e o direito ao contraditório.

Contudo, a desconsideração da personalidade jurídica não deve ser reconhecida no caso de mera insolvência da pessoa jurídica, nitidamente quando se tratar de lides tipicamente cíveis e empresariais. A banalização do instituto mediante a desconsideração da personalidade jurídica de ofício, comum no processo do trabalho, não colaborará para afastar os maus administradores das empresas, além de engendrar insegurança jurídica. Se não houvesse autonomia patrimonial, muitas empresas sequer existiriam, uma vez que, no insucesso do empreendimento, sua criação poderia acarretar em riscos predominantemente superiores às vantagens.

A teoria do disregard of the legal entity, portanto, deve sempre ser pensada como situação excepcional, apta apenas a produzir efeitos em situações relacionadas ao abuso de direito pelos sócios e administradores.

Bibliografia

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume Único. Ed. Gen.


[1] Nocódigo civil 19166, mencionava-se explicitamente a diferenciação, conforme artigo200 do código revogado: Lei nº 3.071 de 01 de Janeiro de 1916 Art. 20. As pessoas jurídicas tem existência distinta da dos seus membros.

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