quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

NOTAS SOBRE LOUIS ALTHUSSER

 NOTAS SOBRE LOUIS ALTHUSSER


 



“O grande interesse político e teórico da Revolução Cultural é o de constituir um solene evocação da concepção marxista da luta de classes e da revolução. A questão da revolução socialista não é resolvida com a tomada do poder e a socialização dos meios de produção. A luta de classes continua sob o socialismo, em um mundo submetido às ameaças do imperialismo. É então, antes de mais nada, na ideologia que a luta de classes decide a sorte do socialismo: progresso ou regressão, via revolucionária ou via capitalista”. “Sobre a Revolução Cultural”. Louis Althusser. Cahiers Marxistes-leninistes nº 141966.  Tradução Márcio Bilharino Naves.  

 

A primazia da ciência sobre a ideologia. A ruptura ou o corte epistemológico entre as fases de juventude e maturidade de Marx. O anti-humanismo teórico que afirma a prevalência da luta de classes e a objetividade na análise da sociedade. A mais completa rigorosidade na utilização dos conceitos teóricos do marxismo. Estas são algumas das principais propostas suscitadas pelo filósofo marxista francês Louis Althusser.

 

É certo que no Brasil, suas ideias ainda não têm a mesma repercussão de outros pensadores marxistas como Antonio Gramsci e Lukács, cujas orientações metodológicas são bastante diversas da proposta althusseriana.

 

Ao contrário de Gramsci, Althusser não entende o marxismo como uma nova filosofia da Praxis, mas sim como uma nova prática dentro da filosofia[1]. Em outras palavras, Marx não suprime a filosofia, não elabora todas as partes de uma nova filosofia, uma antifilosofia ou uma filosofia que rompe com toda a tradição filosófica passada: o que Marx faz é revolucionar a filosofia, ou seja instaurar uma nova prática na (dentro da) filosofia.   

 

Ao contrário de Lukács, bem como de pensadores lucaksianos brasileiros bastante conhecidos como Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder, não existe em Althusser uma solução de continuidade entre as ideias de um jovem Marx desde os seus Manuscritos Econômico-filosóficos de 1844 e o seu principal trabalho de maturidade que é a realização d’O Capital (1867).

 

Conceitos de um humanismo teórico como “alienação” e “essência humana” são suprimidos nesta viragem: rompe-se com a perspectiva ideológica para se inaugurar a perspectiva científica, esta última correspondendo de fato à grande contribuição teórico-metodológica de Marx, que se equipara, para todos os efeitos, aos impactos das descobertas de Tales de Mileto na Matemática e Galileu Galilei na Física.

 

No escrito “A Querela do Humanismo” (1966) Althusser chama inclusive atenção para o fato de estarmos ainda historicamente muito perto de Marx para apreciar objetivamente o peso da revolução científica que o mesmo provocou.

 

Portanto, para Althusser, o marxismo na sua acepção científica e não ideológica é necessariamente um “não humanismo”. Além disso, o marxismo é entendido como ciência, ou mais precisamente, a ciência da história:

 

“Essa tese declara que a ciência da história marxista e a filosofia marxista só se puderam constituir sobre a base de uma ruptura com as filosofias humanistas e antropológicas anteriores, e que o marxismo é, teoricamente falando, ou seja, do ponto de vista de seus conceitos científicos e filosóficos, um anti-humanismo, ou mais precisamente, um a-humanismo teórico

 

Quando proclamamos esse princípio, temos em vista algo de extremamente precioso, a saber que, na teoria da maturidade (ciência e filosofia) não encontramos mais entre os princípios científicos e filosóficos de base da teoria de Marx, conceitos antropológicos ou humanistas. Esses conceitos figuravam nas Obras de Juventude de Marx (os conceitos de humanismo, alienação, desalienação, “perda da essência humana”, etc.). Eles faziam então organicamente parte da teoria, ainda ideológica, que Marx concebia da filosofia, da história e mesmo da “crítica” da Economia Política (p. ex., nos Manuscritos de 1844). Após a “ruptura” que começa somente nos anos 1845 e cujo “trabalho” se estende por longos anos, Marx rejeita sua concepção antropológico-humanista (teórica) de juventude. Esses conceitos ideológicos desaparecem, e são substituídos por outros conceitos: os conceitos bem conhecidos do materialismo histórico, dos conceitos de modo de produção,  de forças produtivas, de relações de produção, de superestrutura jurídico-política e ideológica etc.”.

 

Por suposto, este combate ao viés humanista do Marxismo não correspondia a uma mera discussão no nível teórico e acadêmico, mas a um combate feito por Althusser ao posicionamento da direção do Partido Comunista Francês (PCF) ao longo dos anos 1960, nitidamente em face das ideias de Roger Garaudy que defendia uma visão de um comunismo humanista, aberto à espiritualidade e em diálogo com o cristianismo.

 

Para Althusser, em contraponto, o anti-humanismo (a-humanismo) teórico aponta para a primazia da luta de classes, sendo certo que a concepção idealista na filosofia corresponde à leitura burguesa do mundo, algo bastante explicitado já há algum tempo por Lênin.

 

Nestas polêmicas no PCF, extraímos ainda hoje lições no sentido de que os comunistas podem firmar qualquer tipo de compromisso tático, exceto os compromissos teóricos. Neste sentido, quanto mais os socialistas estejam empenhados numa política de unidade, mais eles devem estar atentos com os seus princípios.

 

O marxismo não é uma narrativa ou mais uma visão social de mundo, dentre tantas outras. O marxismo deve ser entendido como ciência e o mais avançado método até então descoberto de julgamento objetivo da história. As restrições que intelectuais de outras filiações teóricas têm em relação a Althusser certamente envolve mais do que discordâncias pontuais sobre o peso e importância das obras de juventude de Marx, o problema da ideologia, os conceitos de alienação, etc. Trata-se antes disto da dificuldade de assumir o marxismo como o único meio de compreensão objetiva da história disponível, no limite assumir de forma consequente o leninismo no âmbito acadêmico, abrindo sempre caminho para capitulações ou vacilações no plano teórico.



[1] ALTHUSSER, Louis. “Sobre Brecht e Marx”. 1968.

Nenhum comentário:

Postar um comentário