segunda-feira, 5 de outubro de 2020

A CRÔNICA MILITANTE DE LIMA BARRETO

 A CRÔNICA MILITANTE DE LIMA BARRETO

 


 

 

“Se há em nós um fundo de amor, há também um não menos menor de maldade que faz procurar justificativas honestas para as nossas antipatias sem razão. Toda educação tem por fim anulá-lo, mas só o consegue lentamente”. (LIMA BARRETO – “Considerações Oportunas” – ABC – 16.8.1919)

 

Lima Barreto só granjeou o devido reconhecimento artístico depois da morte. Negro, morador do subúrbio carioca, de onde apenas se retirou muito raramente para cidades do interior do Rio de Janeiro, contribui em jornais relativamente modestos, com a publicação de parcela dos seus romances e coletâneas de crônica, só após a sua morte.

 

Já foi dito, e com razão, que é impossível conhecer a vida social e cultural da Primeira República sem conhecer a obra de Lima Barreto. Seu livro mais conhecido é certamente “O Triste Fim de Policarpo Quaresma” (1911) , talvez a mais bem sucedida sátira política da história da literatura nacional.

 

A crítica contundente da política de favores e da mediocridade intelectual de jornalistas, políticos e bacharéis dos 1900’s, bem como a denúncia do racismo e da opressão em face dos humildes também seriam verificados em “Clara dos Anjos” (publicado postumamente em 1948) e “Recordações do Escrivão Isaías Caminha” (1911).

 

Diante da crítica à mediocridade intelectual reinante na chamada “República Velha”, alguns podem chegar à conclusão de que o escritor carioca pudesse ser um monarquista, um saudoso do Império. De fato, lendo esta seleção de crônicas “militantes” de Lima Barreto verifica-se por exemplo que o escritor, ao criticar o mais alto espírito burguês dos norte americanos, tem como interlocutor Eduardo Prado, este sim um monarquista inequívoco, autor do panfleto “A Ilusão Americana” (1893).

 

 

No conto “Educação Física” publicado na Revista ABC em 1920, Lima Barreto compara a ostentação dos dirigentes da Primeira Pública com a relativa simplicidade do monarca D. Pedro II:

 

D. Pedro II, que tinha por avós não sei quantos reis e imperadores, tinha três ridículas casas, no Rio de Janeiro, que era da coroa ou da nação; e uma em Petrópolis, que era dele. Um nosso presidente qualquer, bacharel qualquer e filho de um coronel qualquer, tem quatro ou mais palácios suntuosos, recebe vencimentos anualmente quase tanto quanto a antiga dotação-imperial; o Estado paga a sua famulagem (criadagem), enquanto a dele, o imperador pagava, e por muito favor, custeia unicamente o seu feijão com carne seca, prato de luxo que ele não dispensa, porque é hoje iguaria de potestade”

 

 

Contudo, lendo os contos mais militantes de Lima Barreto, verifica-se que o escritor tinha um posicionamento político senão marxista, bastante alinhado com um igualitarismo político, influenciado pelo anarquismo (Kropotkin e seu “Ajuda Mútua” de 1902 são citados nestes textos), com inequívocas (textuais) simpatias a Lênin e a Revolução Russa.

 

Nas palavras do escritor em 1918:

 

“Precisamos deixar de panaceias: a época é de medidas radicais. Não há quem, tendo meditado sobre este estupendo movimento bolcheviquista (bolchevique), não lombrigue nele um alcance de universal amplitude sociológica”.

 

Ou em outro artigo:

 

“...cabe bem aos homens de coração desejar e apelar para uma convulsão violenta que destrone e dissolva de vez essa societas sceleris de políticos, comerciantes, industriais, prostitutas, jornalistas ad hoc, que nos saqueiam, nos esfaimam, emboscados atrás das leis republicanas. É preciso, pois não há outro meio de exterminá-la”.

 

Muitos destes artigos não foram só produto do impacto da Revolução Russa no pais, mas do debate suscitado pela Primeira Guerra Mundial (1914/1918).

 

Lima Barreto relata que no começo do conflito aderiu a uma associação de apoio à Entente, considerando o perigo do militarismo e expansionismo alemães. Posteriormente, abandona a associação e defende a paz entre os povos, sem, contudo, alimentar qualquer ilusão no Tratado de Versalhes e no programa de paz do presidente norte americano Woodrow Wilson.

 

O pacifismo de Lima Barreto leva o escritor a redigir crônicas criticando até mesmo o futebol. Com base nas ideias de Spencer (outro interlocutor frequente de Lima Barreto), o escritor afirma que o papel deste esporte é causar dissensões no seio da sociedade. O esporte empresta à alma humana o amor à luta e à guerra.

 

Ainda que o tema da política seja bastante relevante nas crônicas de Lima Barreto, há um ponto que se espraia do jornalismo para os romances e os textos mais literários do escritor: a vida do povo simples, do trabalhador braçal, do pequeno camponês, da normalista, do humilde amanuense.

 

“O encanto da vida é a candura dos simples e a resignação dos humildes” – por meio desta temática, o escritor releva a vida da população simples que vai além da história oficial voltada aos graúdos da República.

 

 

 

Resenhado do Livro “A Crônica Militante (Seleção)” de Lima Barreto. Ed. Expressão Popular – São Paulo – 2016

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