quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

“Martí – e as Duas Américas” – Pedro Pablo Rodriguez

“Martí – e as Duas Américas” – Pedro Pablo Rodriguez 



Resenha Livro - 212 -  “Martí – e as Duas Américas” – Pedro Pablo Rodriguez – Ed. Expressão Popular 


A experiência colonial da América Portuguesa e da América Espanhola encontraria vastas particularidades na história, dentre elas, uma particularmente visível: o processo de descolonização. A independência política brasileira foi sob certo sentido um processo pactuado entre elites políticas desde a Europa e desde os trópicos, manejado de tal forma que a vasta unidade territorial brasileira foi preservada, com poucos e localizados conflitos regionais. Fenômeno distinto pôde ser observado na América espanhola em que o processo de descolonização foi muito mais conflituoso, envolveu diretamente a participação de uma certa elite política local bastante influenciada por ideias liberais e republicanas, culminando, outrossim, numa maior repartição territorial – em que pese as ambições de um Bolívar, que, dentro daquele contexto de emancipação, defendia a união de todos os povos latino-americanos. 

José Martí foi um pensador, jornalista e ativista político cubano que viveu e atuou politicamente no último quartel do século XIX sendo um representante original daquela elite política liberal engajada nas jornadas de luta pela emancipação da América Latina, e, no caso mais especificamente de Martí, de Cuba e Porto Rico. Viveu durante muitos anos como correspondente político fazendo jornalismo no México,  Guatemala, Venezuela e Estados Unidos, além de ser fundador do Partido Revolucionário Cubano (1892). 

Este trabalho de Pedro Rodriguez busca fazer todo um intinerário do pensamento político de José Martí, desde sua juventude:

“Martí, adolescente, manteve-se a par do desastre espanhol com a anexação de Santo Domingo, da vitória dos liberais mexicanos frente ao império de Maximiliano, e do triunfo do norte abolicionista sobre o Sul escravagista nos Estados Unidos. As principais características do contexto sócio político era o liberalismo, o republicanismo, o progresso técnico e científico e a luta pela abolição da escravatura”. 

Ressaltamos que muitas destas questões ainda estavam pendentes no universo próximo de Martí. A escravidão apenas foi abolida em Cuba 1886, quando Martí já contava com 33 anos e residia em Nova York como correspondente. A vitória do norte na guerra de secessão nos EUA implicava na vitória do modelo de desenvolvimento industrial que privilegiava o incentivo à vinda de imigrantes europeus, a industrialização associada à superexploração do trabalho, resultando em greves e distúrbios sociais, fatos que não passaram despercebidos em suas crônicas. Ainda que não se colocava como um socialista stricto senso, Martí foi um igualitarista e paulatinamente vai observando como as contradições do regime capitalista mantêm vínculos com a criação de monopólios e lastros de interesses junto aos detentores do poder político. Por isso, são nas “Cenas de Nova York” que Martí está mais próximo de um crítico mais objetivo do capitalismo, ainda que com todos os seus limites de um homem liberal, republicano e igualitarista, defensor intransigente da unidade e autonomia latino americanas.

Antes de sua passagem pelos EUA, José Martí esteve na Guatemala governada por Justo Rufino Barrios e posteriormente na Venezuela de Guzman Blanco. Tinha como política evitar ao máximo evitar constrangimentos no sentido de intervir diretamente na política interna dos países: como pensador, poeta e jornalista, tinha objetivos mais amplos voltados à consecução da unidade latino americana, à sua defesa diante de ameaças de violação de sua soberania frente ao imperialismo norte americano, que se concretizava, por exemplo, na tentativa da criação de um canal na Nicarágua. Desde estes países, também atuava pela independência tardia de Cuba e Porto Rico: 

“E (seu) primeiro passo foi buscar unificar a ação da emigração cubana, para o que fundou o Partido Revolucionário Cubano, em 10 de Abril de 1892. 

Eleito seu delegado – original maneira com que, nas bases do partido, foi denominado seu dirigente máximo, de todos os pontos de vista uma forma de reforçar a representatividade desse cargo eletivo -, Martí concebeu essa organização política como ensaio da “república nova”, ainda que seu propósito imediato fosse preparar a guerra para a independência das últimas duas possessões espanholas da América. De fato, em sua opinião, o férreo domínio colonial apenas admitia o enfrentamento pelas armas”. 

E ainda desde sua acolhida na Venezuela, Guatemala e México, pôde constatar e desenvolver uma ideia reiterada: o fato de que concepções políticas importadas/ exógenas não têm o condão de dar solução aos dilemas da América Latina ou mesmo da América como um todo. Assim, mesmo no que se refere ao liberalismo, observa como o ideário liberal fica a meio do caminho diante de dirigentes autoritários como Guzman Blanco (Venezuela) que virtualmente o expulsara do país. O que ocorre é que os ideários liberais no contexto latino americano são distorcidos de forma a resultar no velho caudilhismo autoritário, com perseguição aos oposicionistas ou a qualquer participação ativa popular. 

De outro lado, o mesmo raciocínio é levado ao extremo por José Martí quanto ao socialismo e ao anarquismo que seriam igualmente inadequados em solos americanos, dentre outras razões, pela sua violência intrínseca.      

Todavia, esta não aceitação do socialismo, diante do contexto histórico vivido pelo autor, pode ser tomada como algo formal. Martí tinha uma tendência igualitarista bastante clara e sempre se manifestava a favor dos humildes, em que pese algumas diferenças quanto às táticas do movimento operário anarquista de então quanto ao uso de bombas. E mais: Martí foi o mais avançado dentre aqueles liberais emancipadores da América espanhola, seja pela sua plena posição anti-imperialista seja por sua vanguardista posição em defesa dos povos pré-colombianos: Martí foi um intransigente defensor da América por causo dos índios e por causa da mistura das raças junto a estes povos, o que sempre buscava delinear, junto com as belezas naturais nativas, de forma poética. Tanto o sonho de Bolívar quanto o de Martí seguem pendentes, o da unificação dos povos americanos, sem qualquer fronteiras, desta feita compartilhando todas as riquezas de forma solidária, sob a bandeira do socialismo. 

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