quinta-feira, 10 de novembro de 2011

"Lênin e a Revolução Russa" - Christopher Hill

Resenha Livro #36 “Lênin e a Revolução Russa” – Christopher Hill – Ed. Zahar




Como se sabe, Lênin foi um dos dirigentes da Revolução Russa, membro da direção do Partido Operário Social Democrata Russo (fundado em 1898) e, após a cisão ocorrida no seu segundo congresso em 1903, articulador/criador do Partido Bolchevique (Partido da “maioria”).

Os Bolcheviques defendiam, por meio da publicação Iskra (“faísca” em russo), a via revolucionária e a ditadura do proletariado com participação camponesa, enquanto os Mencheviques (“minoria” em russo) atuavam pela aliança com setores da burguesia e pelo desenvolvimento do capitalismo em Rússia, etapa necessária para o desencadear da revolução.

Na verdade, a Rússia, desde o final do séc. XIX, já fora palco de conflitos sociais e políticos de toda a sorte: já antes do século XX há ações de grupos terroristas como Rabocheye Dielo ou a agitação política feita pelo grupo revolucionário e camponês dos narodniks. Grupos políticos tensionavam as relações sociais e produtivas do campo. Nas cidades, a industrialização incipiente e em condições desfavoráveis ao trabalhador ampliavam o descontentamento social e favoreciam a disseminação do marxismo. O pensamento e a cultura da Rússia de fins do séc. XIX envolve desde setores apoiados nas relações feudais do campo, nas ideias da igreja católica ortodoxa e na defesa do czarismo e da tradição russa, até liberais e socialistas moderados e grupos revolucionário.

O irmão mais velho de Lênin participou do grupo Pervomartovtsi, tendo participado de tentativa assassinar o Czar. Foi condenado à morte em 1887, fato que impressionara e faria parte do pensamento político de Lênin. Referencias a romances de Tolstoi (feitas por Christopher Hill) e mesmo outros escritores como Dostoievsky e Tchekhov sinalizam o universo cultural da Rússia, a mística camponesa que envolve a cultura russa (camponeses que teriam participação decisiva na revolução) e as influencias de ideias liberais, socialistas revolucionárias e populistas. É sobre estas condições gerais que se desenvolve o pensamento político de Lênin.

Indivíduos e a História

O objetivo do ensaio de Christopher Hill (publicado em 1947 na Inglaterra e em meados dos anos 1960 no Brasil) não é o de fazer uma biografia de Lênin, nem o de relatar como se deu a Revolução Russa em suas diversas fases, desde os conflitos de 1905, passando por fevereiro e outubro de 1917. O livro de Hill pretende analisar e descrever a forma como as ideias de Lênin evoluem conforme os acontecimentos na Rússia e, por outro lado, a forma como os acontecimentos na Rússia (dentre diversas determinações causais) são influenciados pelas ideias políticas do líder revolucionário. Da relação dialética entre o indivíduo e a história, o autor enseja algumas discussões importantes, particularmente o papel do indivíduo na história, a relação entre direção política e revoluções, além da própria forma como o pensamento político de Lênin não pode ser entendido como um conjunto monolítico e linear de ideias, mas como uma evolução que mantém relações diretas com acontecimentos dos quais não é um expectador, mas alguém que atua, intervem, etc.

Não temos muitas informações sobre autor do livro. Numa rápida busca pela internet, há menção no Wikipédia de que o autor é um historiador britânico marxista cujas posições estão ligadas a outros autores como Eric Hobsbawm (cujo provável livro mais conhecido no país é “A Era dos Extremos”) e Thompson (responsável pelo importante estudo “A Formação da Classe Operária Inglesa”).

Crise Política e a Revolução.

Como se sabe, a Rússia, antes da Revolução, era um país predominantemente agrário, em incipiente processo de industrialização. No país estava vigente o regime feudal e no âmbito político o czarismo apresenta, desde fins do séc. XIX, sinais de degeneração.

Christopher Hill chama atenção para a figura sinistra e bizarra de Rasputim (uma espécie de guru intelectual da czarina Alexandra) como forma de ilustrar as origens de um descontentamento massivo que iria impulsionar a revolução: “Rasputin era notoriamente depravado, visivelmente corrupto, e ao menos provavelmente manobrado pelos agentes alemães. Não obstante, através da czarina, achava meios para fazer seus amigos bispos e arcebispos, e até para canonizar um santo inteiramente novo; por fim, era praticamente quem ditava a formação dos quadros do governo, influindo assim diretamente nos rumos da política e da guerra”.

Destaca-se, portanto, o ambiente de descontentamento político generalizado, ampliado pelo fiasco da guerra entre a Rússia e Japão (1904-1905), durante a qual uma rebelião de marinheiros do couraçado Potemkin já sinalizaria uma situação de revolta.

As enormes baixas da Rússia ao longo da I Guerra Mundial e o despertar da revolução durante o conflito revelam a força das ideias revolucionárias sobrepostas ao chauvinismo da guerra. São válidas as menções feitas por Hill às condições subjetivas e objetivas pelas quais a Rússia passou naqueles anos, de forma a melhor compreender como um país atrasado economicamente foi palco da primeira revolução socialista da história, levando-se em consideração particularmente as dimensões territoriais e as condições adversas daquela luta: cerco do imperialismo, guerra em nível mundial e guerra civil articulada por agentes estrangeiros e a elite econômica local.

Lênin afirmava que, frente às contradições explosivas colocadas na Rússia antes de 1917, seria, naquele país, mais fácil do que na Europa ocidental iniciar a revolução. Entretanto, as mesmas contradições e o atraso econômico do país corroborariam para tornar mais difícil a construção do socialismo na Rússia de forma isolada. Havia, então, a expectativa de que a revolução se generalizasse pela Europa e tomasse um sentido mundial.

Revoluções

O ensaio de Christopher Hill supera obras de biografia que eventualmente lançam excessiva importância aos indivíduos em detrimento do movimento de massas, da situação econômica, social e política de cada conjuntura, etc. Um indivíduo projeta-se na história também por sua liderança dentro de uma luta concreta, mas sua intervenção individual não substitui as reais condições subjetivas/organizativas e objetivas de cada realidade.

Seja como for, a leitura do ensaio ainda nos é útil para compreender o que são conjunturas revolucionárias: num momento de crise estrutural do capitalismo, a saída revolucionária, mesmo reiteradamente deslegitimada pela ideologia dominante, é não só atual mas necessária.

2 comentários:

  1. Camarada, já li alguns texto do Christopher Hill no meu curso de graduação em História.

    Ele fez parte mesmo desde grupo que a Wikipedia cita, inclusive rompe com a política oficial da URSS lá por volta de década de 60 e também com o PC do Reino Unido, se não me engano.

    Eles (grupo de historiadores de londres) são importante por que, não só não renovaram a historiografia, como o marxismo em si.

    Depois da publicação dos rascunhos que Marx usou para escrever "O capital" o marxismo dogmático perdeu força, entre eles o estruturalismo,então o desafio era uma renovação. E aparecem esses historiadores, que apesaram de não negarem a economia como elemento principal de suas análises, passaram a fazer uma história mais voltado a elementos que em Marx estão na superestrutura (fatores secundários, subordinados ao economico-social humano) como religião,política e ideias.

    Vou republicar no Diário Liberdade!

    Abraços!

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  2. Muito obrigado pelo comentário camarada. Realmente, não conhecia nada acerca do autor e muito pouco deste grupo de intelectuais britânicos. Existe uma publicação "História do marxismo" organizada pelo Hobsbawm: li alguns capítulos e tive a impressão que a linha é mais ou menos a mesma. Abraços!

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