sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Aelita – A Rainha de Marte

Resenha Filme#1 - AELITA - A Rainha de Marte - Yakov Protazanov
Rússia - 1926





Obras de arte assumem significados políticos nem sempre correspondentes às intenções mais ou menos conscientes do seu autor: os sentidos sempre lhe escapam à medida que as circunstâncias históricas, inevitavelmente dinâmicas, vão imprimindo diferentes significados aos eventos e personagens retratados em filmes, músicas, textos literários. Processa-se também no campo das artes certa batalha de idéias. Interpretar um filme russo de 1926 (quando ainda são vivos o enfrentamento dos novos desafios abertos pela revolução de 1917) quer dizer ainda hoje, 84 anos depois, expressar visões de mundo e posicionamentos também políticos num contexto de disputa (ou consolidação) de hegemonias.

Aelita – A Rainha de Marte tem algumas particularidades que o fazem ainda mais aberto às reflexões e ao embate de idéias: o enredo, que aborda uma viagem fantástica de um engenheiro russo à lua onde dirige uma revolução proletária; a plasticidade das imagens e a riqueza dos detalhes nas roupas dos habitantes de marte com os recursos de um filme dos anos 1920; o fato de ser este considerado o primeiro longa-metragem de ficção científica da história do cinema, ainda mesclando elementos do cinema político soviético e do humor.

A história

Aelita é uma adaptação de livro homônimo de Leon Tolstoi. Los é um engenheiro dedicado ao trabalho e aos cuidados de sua mulher Natasha. A vida do casal entra em turbulência diante do assédio de Natasha por um vigarista pequeno- burgues que vive de pequenos golpes. A descrição dos anos imediatamente posteriores à revolução sugere o sacrifício de muitos em contraponto à corrupção de poucos: o individualismo de Natascha cede à sedução do vigarista burguês, acompanhando-o a um baile de luxo clandestino. Levado pelo impulso da desilusão amorosa, Los constrói uma espaçonave e parte para Marte – seu centro de interesses sai portanto do universo doméstico.
O mesmo ocorre com o seu ajudante Gusev, soldado combatente da Revolução que, atordoado pelo tédio da vida familiar, aceita imediatamente aderir à aventura.

Rainhas fazem a revolução?

Aelita é a rainha de Marte: observa através de um telescópio superpotente a Terra e apaixona-se por Los. Enquanto isto, em Marte o poder político – que envolve reis e rainhas e um conselho de velhos – força os trabalhadores ao isolamento no subsolo marciano. Este é o destino dos terráqueos capturados e com eles, Aelita. A mobilização é conduzida por Los e Gusev: algumas cenas muito bonitas de trabalhadores marciano rompendo com suas correntes de ferro remetem ao universalismo da luta dos oprimidos. Por outro lado, notamos que a trilha neste momento – assim com em outras passagens – não é a do hino internacional dos trabalhadores, mas o hino da Rússia.

Aelita, rainha de Marte, toma parte da luta e chama para si a responsabilidade de dirigir a luta do proletariado marciano. Rainhas podem conduzir revoluções? Deixamos de responder a pergunta, por suposto, para quem ainda não viu o final do filme.

Discussões

A percepção do autor sobre os problemas da Rússia nos anos pós-revolução está longe de ser equivalente ao propagandismo, favorável ou contrário aos bolcheviques. Identificamos, sim, identidade entre a história de Los, Natasha e Aelita e à revolução, especialmente em seus aspectos mais subjetivos: psicológicos e simbólicos. As relações entre a vida familiar e a intervenção política através do trabalho e da aventura espacial, a crítica ao excesso de ciúmes do homem e à super-proteção feminina (expressos na esposa de Gusev) dizem respeito à formação de novos valores, sugerem mentalidades transformando-se aceleradamente. Lênin dizia que na Rússia revolucionária a consciência do povo avança 20 anos em 20 dias. Deixando de lado excessivo (e compreensível) propagandismo da mensagem, Aelita talvez seja uma boa fonte para se identificar a história das mentalidades numa conjuntura de radicalização política. Neste ponto também é possível reconhecer a beleza da obra: um filme sobre política, feito em um e para um contexto revolucionário que, outrossim, aborda temas mais ou menos universais como o amor e a curiosidade humana sobre o que há no universo. Não há socialismo e revolução sem empatia humana.


Yakov Protazanov




Apesar da longa lista de filmes, há poucas informações a respeito do diretor aqui no Brasil, mesmo na internet. Aliás, após a extinção formal do capitalismo estatal soviético, a abertura ao mercado mundial tem significado maior interesse e acesso às produções culturais da Rússia. Aelita, por exemplo, foi inicialmente aceita e posteriormente censurada na URSS: seu lançamento no Brasil pela Continental data dos anos 1990.

Sobre o diretor, Yakov Protazanov é conhecido como um dos pais do cinema russo. Produziu filmes antes e depois da revolução, tanto na Rússia Tzarista quanto na Rússia bolchevique. Após a revolução, segue para a França e só retorna à Rússia em 1923 – um ano depois faria o seu filme mais famoso, Aelita. Morreu aos 65 anos em Moscou.

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