Crônicas Políticas de Monteiro Lobato
Resenha Livro – “Na Antevéspera” – Monteiro Lobato – Iba Mendas Editor
Digital
“O Brasil existe e insiste. Tem uma alma caótica, isto é, em formação,
caos não significa apenas desordem. Tem a carne sensível, apesar dum sistema
nervoso rudimentar, como o das baleias. O Brasil é imenso. Desdobra-se por
8.525.000 quilômetros perfeitamente quadrados, e até já passa disso, em virtude
do aplastamento do morro do Castelo. Possui terras feracíssimas, como as roxas
de São Paulo, e carrascais piores que os desertos da Líbia. Zonas onde tudo são
águas, pirarucus e jacarés truculentos, ao lado de zonas onde a seca periódica
só poupa às cactáceas.
‘Nesta tesse se dá tudo’, disse Vaz Caminha; “mas a formiga come tudo
que se planta”, acrescenta o Jeca, de cócoras na filosofia da sua velha
experiência”
No ano de 2010 ganhou repercussão na mídia nacional o ajuizamento de
um mandado de segurança pelo “Instituto de Advocacia Racial” junto ao Supremo
Tribunal Federal demandando a retirada do livro “Caçadas de Pedrinho” (1933) da
lista de leitura obrigatória do ensino oficial, sob a alegação de que as
crianças estariam supostamente expostas a conteúdo racista.
Desde então, vem sendo ventilado pela por grupos identitários a ideia
de que o escritor paulista seria racista ou até mesmo eugenista.
Esta não seria a primeira vez que as obras de Monteiro Lobato seriam
objeto de ataques injustos e infundados.
Meses depois da publicação do livro infantil “História do Mundo Para
Crianças” (1933), a obra passou a sofrer perseguição e censura da Igreja
Católica. Naquela época era ainda uma novidade a existência de obras literárias
direcionadas ao público infantil, que suscitavam a imaginação por meio de
personagens fantásticos como o Visconde de Sabugosa, um nobre fidalgo feito de
espiga de milho que traz a voz da razão e da ponderação; ou o Marquês de
Rabicó, um porquinho medroso que conversa com as crianças; ou Emília, uma
boneca de pano que se distingue por sua bravura, autoconfiança e uma certa
esperteza.
Consta mesmo que um grupo de
freiras chegou a organizar fogueiras para destruir exemplares de livros no ano
de 1942. No exterior, o Governo Português também chegou a proibir os livros
infantis em seu país tanto porque os livros indicam que o Brasil teria sido
achado ‘por acaso’ pelos portugueses, quanto por “ter registrado das 1600
orelhas cortadas à marinhangem árabe por Vasco da Gama”.
Tanto no passado quanto no presente, são injustos estes julgamentos
sobre a obra do escritor de Taubaté.
Da leitura das crônicas do escritor de Taubaté, reunidas no livro “Na
Antevéspera”, pode-se ter uma noção de ideias políticas e das críticas
culturais no contexto do fim da República Velha.
No texto “Manuelita Rosas”, Lobato discorre sobre a trajetória de Juan
Manuel Rosas, caudilho argentino que governou aquele país com um ditador nas
décadas de 20 e 30 do século XIX. Crítico do liberalismo, via com simpatias o
ditador argentino, que era comparado com Napoleão e Lênin.
No que diz respeito ao líder da Revolução Russa, Monteiro Lobato no artigo
“Ideias Russas”, elogia aquele movimento não por suas ideias marxistas, mas por
conta das mudanças culturais e de comportamento:
“No que diz respeito à mulher, Lênin aparece como o seu messias.
Libertou-a da escravidão doméstica, aboliu o preconceito da sua inferioridade,
pô-la em situação de ocupar todos cargos da república, desde o comissariado do povo
até o juizado. O regime de igualdade dos sexos é perfeito, pois. Lênin destruiu
o formidável acervo de injustiças acumulado em vinte séculos de helenismo e
outros tantos de civilização cristã – isto é, de despotismo de galo.”.
Posteriormente, já na década de 1940, o jornalista M. Tullmann Neto
relata que o escritor tinha simpatias pelo regime socialista soviético e por
Luiz Carlos Prestes, a quem considerava “um patriota, preso por lutar pelo
progresso e pela democracia.”.
No início daquela década, o próprio Lobato seria preso no contexto do Estado
Novo, por crítica remetida por carta ao presidente Getúlio Vargas e zo chefe do
Estado Maior Góis Monteiro. Na missiva, denunciada a inação e displicência do
governo no que se refere ao problema do petróleo.
Estes eventos ocorreriam muitos anos depois do “Antevéspera” cujo
contexto, como já dito, era do fim agonizante da República Velha sob a
presidência de Arthur Bernardes.
As crônicas foram publicadas nos períodos “O Jornal” de Assis
Chateaubriand e “A Manhã” de Mário Rodrigues.
Como diz o escritor, no prefácio:
“A revolta surda que em toda gente latejava explode nas reações do
escritor sob forma de cólera represa, de sarcasmo, de simpatia pela Rússia de
Lênin, de anseio vago por uma revolução que viesse quebrar a sórdida
cristalização leda e cega em que vivíamos desde 89.”.
No caso de Lobato, certamente não uma revolução guiada por alguma
ideologia, mas, pelo contrário, pela primazia da realidade, com a abolição de
um liberalismo palavroso, pela observância dos problemas práticos, pela defesa
contundente dos avanços da tecnologias, desde a imprensa de Gutenberg ao avião
de Santos Dumond. Nestes termos, pode-se dizer que Lobato era um progressista, não
como ideólogo de esquerda, mas como defensor do desenvolvimento nacional.
Em uma de suas crônicas, marcadas pelo seu típico bom humor, Lobato
disserta sobre o aborrecimento dos deuses no céu, especialmente Netuno, Deus do
Mar, que não mais consegue impedir por meio de raios e trovões as aventuras dos
navegadores. Antes navegavam com barcos a vela e dependia dos sopros do vento
para avançarem. Diante das novas tecnologias de navegação, que transitam os
homens a todos os cantos do mundo, sem a necessidade e a preocupação com as
situações climáticas, os Deuses deixavam de ter necessidade na terra.
Crítico do parlamentarismo (que seria uma invenção apenas razoável aos
seus inventores ingleses), o escritor de Taubaté defende a seguinte palavra de
ordem: enriquecei-vos!
“É evidente, pois, que só uma solução existe para todos os problemas
nacionais: a indireta, a solução econômica. Só a riqueza traz instrução e
saúde, como só ela traz ordem, moralidade, boa política, justiça.
- Enriquecei-vos! Deve ser a senha dos nossos estadistas.”.
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